A disputa entre pescadores e surfistas na praia Brava não é novidade. Localizada no extremo norte da Ilha de Santa Catarina, a praia com 1,5 quilômetros de extensão, separada por dois costões, tem mar aberto, o que propicia um ambiente ideal para o surfe e para a pesca. Mas se é no frio que as tainhas chegam, também é no outono-inverno que se formam as melhores ondas, influenciadas pelas ondulações do quadrante sul.
Na época da pesca artesanal da tainha, do lado direito, na Ponta da Feiticeira, se posicionam dois olheiros. No outro oposto do costão, na Ponta da Bota, que separa a praia da Lagoinha, mais dois vigias ficam o dia todo com os olhos no mar. Eles procuram a chegada de um cardume de tainha.
O rancho dos pescadores fica no lado direito, e as canoas com as redes posicionadas na beira do mar, prontas para entrar em ação. Quando os vigias veem o brilho platinado na água, sabem que um cardume de tainha está passando e, por rádio, avisam os camaradas que estão na praia. É aí que começa a correria. São poucos minutos para colocar a canoa na água. Seis homens começam a remar com destreza para não deixar o cardume escapar.
Como a praia não é muito extensa, os pescadores conseguem chegar com rapidez de uma ponta a outra para cercar os peixes, com mais chances de sucesso. Por esse motivo, Nildo diz que não é possível dividir o mar com o surfista:
– Na hora que a prancha bate na água, o cardume se espalha e não conseguimos mais cercar. É tudo muito rápido.
Apesar de não existir nenhum estudo científico comprovando a tese, o presidente da Federação dos Pescadores Artesanais de SC, Ivo Silva, diz que a experiência comprova.
– Não precisa ser nenhum técnico para saber isso.
O cardume de peixe que é capturado na praia, com canoa a remo, sem nenhum motor, precisa estar unido para ser pego pela rede. Quando o surfista passa em cima do peixe, ele se espanta – explica Silva.
Em junho de 2014, a Brava também foi palco de outro conflito entre surfistas e pescadores. Até então, a praia estava sob a lei municipal no 4.601/95, que proibia o surfe em Florianópolis na época da tainha, com exceção das praias Mole e Joaquina. O sistema de bandeiras era o adotado.
O surfista Leandro Bernardo, 33 anos, conta que estava no mar por volta do meio-dia quando os pescadores pediram para que saísse da água.
– Eu saí na hora que pediram, mas quando cheguei na areia, eles pegaram minha prancha e falaram que só iriam devolver depois da safra. Eu mantive a calma e não teve agressão, mas tive que pagar advogado e entrar na Justiça para recuperar minha prancha. Para mim, essa lei é inconstitucional. Tenho o direito de praticar o esporte, ir e vir – comenta.
Em outras praias de Florianópolis e do litoral de Santa Catarina, também são inúmeros os casos de brigas entre surfistas e pescadores desde que o surfe chegou ao Estado, nas décadas de 1970 e 1980.
No documentário A Tainha e a Onda, lançado em novembro de 2015, o diretor Carlos Portella Nunes ouviu as primeiras gerações de surfistas na cidade. Eles contaram episódios de muita violência naquele tempo.
– Eu estava de férias da faculdade, a gente foi para praia. Fomos na Joaquina, nada. Fomos na Mole, nada, e alguém falou para irmos na Galheta. Estávamos entrando na água, quando a gente escutou um barulho. Parecia uma tribo de índios vindo de dentro do mato. Eles vieram para cima com muita violência, e a gente nem sabia o que era. Foi muita violência. Me machuquei todo. A minha prancha foi todinha furada com faca. Eles batiam com chicote, tipo umas varas, machucaram meu braço todo. O braço direito até quebrou – relatou o engenheiro Edson Teixeira em depoimento ao documentário.
O veterano Maurio Borges recorda que sempre existiram conflitos, mas antigamente havia muito mais pescadores do que surfistas:
– Por volta de 1985, com o (campeonato) OP-PRO e depois o Hang Loose, a imagem de Florianópolis como capital do surfe foi projetada para o Brasil. Com isso, novas gerações foram se formando.
Borges lembra que com a criação da lei municipal, a situação se acalmou um pouco, embora todo mundo tenha ficado muito descontente, porque não tinha acordo para o surfe.
As praias do Silveira, em Garopaba, do Rosa, em Imbituba, e Bombinhas também já foram zonas de conflito nos últimos anos. Mas, segundo a Federação Catarinense de Surfe (Fecasurf) e a Federação de Pescadores Artesanais de Santa Catarina (Fepesc), as partes entraram em consenso e não houve mais grandes confusões, somente casos isolados.